quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Umas linhas sobre a metafísica ética de Hegel


Entre meus primeiros estudos hegelianos, há cerca de dois anos guiados pelo Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado nos seminários do doutorado em Direito na UFMG, encontrei essa acachapante tradução que faz Franz Rosenzweig da metafísica ética de Hegel:


“Culpa e destino — uma ética , portanto, que sintetiza a vida pessoal sob os mesmos conceitos com os quais a pesquisa estética procura esclarecer a essência da tragédia. Mas, sobre culpa e destino, presente a eles, decompondo-se e se reconstituindo, a unidade da vida. Cada separação entre o ser humano e esta unidade é culpa — culpa não é, a rigor, mais que uma tal separação — um atentado à vida una e indivisível. Mas o atentado não atinge nenhum estranho, nenhum Deus que reina a uma infinita distância da terra, nem mesmo um imperativo moral puro que estivesse de forma sublime em contraposição da vida dominada por instintos e inclinações; o atentado atinge o ofensor mesmo — pois toda vida é una. A culpa engendra assim por si mesma o destino; o criminoso experimenta em sua própria vida o fato de que ele se separou da vida. Este destino não pode ser, como o Deus da ortodoxia, aplacado por expiações compensatórias, mas não permanece eternamente implacável como a lei violada, externa ou interna, judia ou kantiana; como o destino irrompeu imediatamente da culposa separação do ser humano com relação à vida, sua reconciliação dar-se-á pela reunificação imediata do ser humano com a vida, com a reconstituição da relação rompida através da culpa: o amor. A vida pode curar suas feridas. Culpa e destino são ligados um ao outro na concepção da vida, e a vida não é outra coisa senão o movimento de culpa em direção ao destino. O indivíduo não pode se subtrair a este movimento — ele não pode ser inocente, porque ele é, exatamente, indivíduo. Quanto mais ele renega tal coisa, quanto mais ele deseja escapar do fluxo da vida e se declinar às margens dela, esta inocência tão ardentemente desejada, este querer-se-retirar-se-da-vida seria justamente sua culpa; e ele, que esperaria permanecer sem destino, será atingido pelo maior dos destinos.”
Rosenzweig, Franz. Hegel e o Estado. São Paulo: Perspectiva, 2008, p. 136-7.

Nesse esquema hegeliano apresentado por Rosenzweig, culpa e destino parecem ser  elementos que interagem na unidade da vida. A separação entre o homem e a unidade da vida constitui a culpa e sua recondução a tal unidade opera-se pelo destino.

Em outras palavras: a culpa, e não o pecado da ortodoxia cristã, é que constitui um atentado à plena unidade da vida; e essa necessária unidade é reconstituída não por castigos transcendentais ou pelo perdão divino, mas pelo inexorável destino — tão inexorável, parece-me, para o indivíduo, quanto a morte e o nada.

Hegelianos empedernidos dirão que minha leitura é enviesada. Talvez até um tanto nietzcheana, para horror de muitos. Outros possivelmente sequer vejam sentido nestas escassas e despretensiosas linhas. Pouco importa. É nesta perspectiva, cunhada fundamentalmente a partir do indivíduo, que o texto de Rosenzweig tem significação para este destidoso escriba, com sua vida repleta de aflitivos sentimentos de culpa mas, por outro lado, com absoluta aversão à crédula e parva noção de pecado.


Retrato de Hegel, por Schlesinger (1831)



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