segunda-feira, 28 de março de 2011

Uma imagem que fala por si


A imagem abaixo, que encontrei na página pessoal de uma conhecida e cujo crédito ou publicação original desconheço, fala suficientemente por si mesma. Mas nao é ocioso consignar que se tem nela magnífica ilustração da compreensão de civilidade e cidadania, difusa no aparato de gendarmaria do Estado brasileiro.





Em tempo:  Meu prezado colega Eymard Loguércio esclarece, nos comentários, que "a foto é do fotógrafo Pedro Kirilos, da agência O Globo. Um protesto de moradores do morro do Bumba, em Niterói."

quarta-feira, 16 de março de 2011

Uma forma desleal, vil, ilegítima e anti-jurídica de aumentar a carga tributária



Em pauta, uma vez mais, mas sempre em plano secundário, a discussão sobre o reajuste da tabela de faixas de rendimento sobre o que incide o Imposto de Renda.

Não se costuma discutir sequer se é justo e se atende aos princípios constitucionais da ordem tributária a progressividade da incidência do Imposto de Renda limitada a apenas três faixas, de modo a não distinguir os assalariados de classe média-alta dos ricos, nem estes dos muito ricos o que resulta no idêntico tratamento, dado pelo Fisco, na perspectiva da faixa de renda, tanto a um bilionário como a este pobre escriba.

Não se discute, ainda, o porquê de se tributar fundamentalmente o salário, e não, por exemplo, os ganhos de capital. Desse modo, somente assalariados pagam Imposto de Renda entre as chamadas 'pessoas físicas' no Brasil. Os demais, tais como profissionais liberais, empreendedores, investidores e especuladores em geral, dispõem de vasto arsenal para elidir a incidência tributária. Assim, se o escriba Braga da Rocha paga 27,5% de imposto na fonte sobre seu salário, recebido da União, um seu colega advogado, profissional liberal, embora possa ter rendimentos dez vezes superiores aos seus, paga 0% de imposto, pois dispõe de meios, inteiramente lícitos, saliente-se, para classificar seus rendimentos de modo a evitar a incidência do tributo.

Como parte mais visível desse drama do absurdo, tem-se a tabela das faixas de incidência do Imposto de Renda, que não costuma ser corrigida pelos índices oficiais de desvalorização da moeada faixas essas, torne-se a dizer, já extremamente amplas no alcance e exíguas na função de distinguir contribuintes, uma vez que limitadas a apenas três, contra dezenas que se encontram em outros sistemas tributários, onde se aplica com seriedade e conseqüência o princípio da progressividade e o respeito à capacidade contributiva. 

Seja como for, entra governo, sai governo, volta e meia se põe a discussão sobre o reajuste dos valores dessa tabela  registre-se que o governo Dilma Rousseff vem de anunciar, num gesto de ares magnânimos, embora não sem parcimônia, o discutido reajuste , como se razoável fosse admitir que se mantenham congelados tais estalões, enquanto os salários, por força da inflação, sofrem reajustes nominais periódicos. Com isso, a cada ano mais e mais assalariados ingressam na faixa tributada de renda, e outros ascendem à faixa superior, sem que tenham, todavia, experimentado ganho real algum de rendimentos.  

Dever-se-ia ter por dispensável dizer o que segue, mas, num país em que o racional e mesmo o óbvio depende de ingente esfoço para prevalecer, repito: Não reajustar a tabela de faixas de rendimento, na proporção da inflação, significa aumentar o Imposto de Renda da forma mais desleal, vil, ilegítima e anti-jurídica que se pode conceber. Não há, em sã consciência, como opor-se a tal reajuste. É imperativo ético, jurídico e de civilidade nas relações entre Estado e indivíduo.







sexta-feira, 11 de março de 2011

Uma canhestra proteção ao crédito


O jornalismo televisivo da Rede Globo noticia, com destaque, que o Poder Judiciário em cinco unidades da Federação, inclusive Minas Gerais, vem passando a determinar a inclusão, nos serviços de proteção ao crédito, dos nomes de devedores inadimplentes com a obrigação de prestar alimentos.

Em matéria exibida na edição do Jornal da Globo de ontem, 10 mar., uma senhora mineira, que diz não receber o pensionamento devido à filha menor sob sua guarda, comemora a novidade afirmando com indisfarçável satisfação que a medida "vai prejudicar bastante" o alimentante, pai da menor e provavelmente seu ex-marido ou ex-companheiro.

Magistrados que adotam a medida em suas decisões a explicam e defendem por seus induvidosos efeitos práticos, uma vez que, dizem, ao dificultar ou privar aqueles alimentantes inadimplentes do crédito no comércio e no mercado financeiro, estar-se-á a estimular os devedores a que, para evitar os docorrentes incovenientes, cumpram sua obrigação perante os beneficiários dos alimentos. 

Meu dileto colega Rodrigo da Cunha Pereira, um dos maiores e mais vanguardistas estudiosos do Direito de Família da atualidade no Brasil, aplaude o que considera uma tendência a ser seguida, acentuando igualmente os tais efeitos práticos da medida.

Não me abalei a ler quaisquer das decisões nesse sentido. Todavia, à vista da manifestação de alguns dos próprios juízes que as patrocinam, não é difícil perceber-lhes o conteúdo e aquilatar-lhes as deletéris conseqüências, não somente para os diretamente interessados, mas sobretudo para a unidade e a coerência do sistema em que se constitui o ordenamento jurídico. 

Como é cediço, até mesmo entre os leigos — inclusive a tal senhora que deseja "prejudicar bastante" o pai de sua filha , o direito brasileiro vigente associa à obrigação alimentar aquele que é talvez o mais drástico e poderoso instrumento coercitivo, representado pela ameaça de restrição da liberdade, dita prisão civil, para constranger o devedor ao cumprimento do dever de prestar alimentos.

Isso, por si só e já compreendido algum excesso do legislador, deveria bastar para tornar o crédito de natureza alimentar aquele de mais fácil e efetiva exigibilidade nas vias judiciais, caso, naturalmente, neste País funcionassem com grau de eficácia minimamente aceitável essas mesmas vias judiciais.

Mas não. Aparentemente assumindo como inexorável a ineficácia de sua atuação — mercê da lentidão do processo, da demora das decisões, da má qualidade dos julgados e da corrupção institucionalizada, esta nomeadamente nos tribunais —, os magistrados decidem agora delegar a instituições privadas de registro de crédito um papel coercitivo que, nos limites da legalidade, deveria ser exercido unicamente pelo próprio Poder Judiciário.

Além de representar aberração de caráter institucional, não é difícil perceber que a inscrição do nome do devedor de alimentos em cadastros negativos de crédito constitui absoluta impropriedade do ponto de vista jurídico. 

Tais cadastros ou bancos de dados — mantidos e operados por empresas que costumam atuar de forma obscura, ao arrepio qualquer controle do Estado e nos lindes da ilegalidade ou mesmo da criminalidade — visam fundamentalmente a tutelar o crédito na vida negocial, isto é, aquele que se inscreve em obrigações convencionais, fundadas em operações econômico-financeiras, nas quais há efetivamente uma relação fiduciária entre as partes. Não por acaso são chamados de sistemas de proteção ao crédito, vale dizer, amparo da confiança depositada por uma parte na outra quando da realização de determinado negócio jurídico.

Já uma obrigação legal stricto sensu, ou seja, aquela imediatamente fundada em disposição normativa — tal como se caracteriza o dever de prestar alimentos, bem assim, e.g., o dever de indenizar, ao menos imediatamente, e a obrigação tributária —, não envolve fidúcia em sentido algum, de modo que a inadimplência no cumprimento desse tipo de dever não importa quebra de confiança ou atentado às relações creditícias. Assim crédito algum, nesse sentido específico, há a proteger quando se tem inadimplência do dever de alimentar.

Afigura-se, à vista disso, medida de cunho arbitrário e anti-jurídico ademais de aberração institucional e rematada estultice , a inscrição do nome de devedor inadimplente quanto a obrigação legal de prestar alimentos em cadastros que respeitem à tutela do crédito nas relações negociais.