domingo, 1 de maio de 2011

Por ocasião de um 'Labor Day' — uma breve e recorrente reflexão


No universo da cultura greco-romana, conforme dão conta os estudos históricos, filosóficos, sociológicos e etimológicos, a idéia de trabalho está quase que invariavelmente ligada à de sacrifício, de dor ou mesmo de sanção, de pena imposta a alguém.

Isso se reflete no pensamento religioso construído ao longo dos primeiros séculos do cristianismo, especialmente pela patrística, já então, porém, como corolário da condenação do prazer e do ócio, segundo o célebre adágio ad augusta per angusta.

Ao movimento da Reforma protestante parece caber a responsabilidade pela tendência de inversão desse sentido, de modo a conduzir ao abandono das conotações historicamente pejorativas ou dolorosas do trabalho, para atribuir a esse termo significação precipuamente associada a algo útil e de elevado valor moral (cf. FAVA, Rubens. De onde vem o trabalho?. Disp. em http://www.administradores.com.br, aos 30 abr. 2010), em conformidade, assim, com os novéis valores cristãos.

Essa atribuição de sentido positivo ao trabalho, ao tempo da Reforma, atende sob medida aos interesses do então nascente modo de produção capitalista, que, factualmente, e conforme viria a afirmar o materialismo histórico, surge, estabelece-se e sobrevive até os tempos hodiernos — quer se admita, quer não — baseado na exploração, freqüentemente cruel, por uns da força de trabalho de outros.

Assim, a se dar como correta a tese de que a Lutero e aos seus cabe esse importante papel na 'virada conceptual' da idéia de trabalho, confirma-se plenamente, também neste particular, a conhecida tese de Max Weber, lançada em seu Die protestantische Ethik und der 'Geist' des Kapitalismus, a respeito da influência exercida pelo protestantismo na construção das bases do capitalismo.

Mas, afinal, em que medida teria efetivamente o trabalho esse sentido nobre e elevado que se lhe procuram imputar?

Ora, só se pode conceber o trabalho como algo que 'enobrece o homem', segundo a velha máxima, quando o móvel precípuo e essencial da atividade consiste na própria realização existencial do indivíduo. 

Em outras palavras, isso significa que o labor por alguém desempenhado livremente, com a intenção precípua de dar sentido à própria existência, atender a uma vocação autonômica ou contribuir para o progresso da sociedade, esse, sim, constitui algo enobrecedor, que eleva o homem e o põe no caminho de sua mais elevada realização pessoal.

Que dizer, porém, do trabalho que se executa não mais que para, sob o cabresto da imperiosa necessidade, atender estritamente às demandas elementares da sobrevivência, não raro ao arrepio das vocações ou inclinações pessoais?

Esse trabalho — muito diverso, atente-se para isso, do tipo de atividade laboral de que logo antes se tratava —, inteiramente alheio à candidez dos códigos morais, é que se verifica na experiência concreta e ao qual se sujeita a quase totalidade dos seres humanos ao longo da maior parte de sua existência. 

Visto a partir dessa realista perspectiva, não há como deixar de reconhecer que o trabalho rebaixa, vilipendia e escraviza o homem, pois o submete a seus semelhantes e o condena a uma existência inteiramente estéril, seja no amealhar de qualquer riqueza material minimamente expressiva — coisa a que o trabalho, em si, seguramente não conduz —, seja na busca, sobretudo, de sua mais genuína e essencial realização.

"Vida bovina!", há tempos exclamava com desalento meu velho amigo Ricardo Carneiro, colega de bancos na Vetusta, referindo-se à prática, comum entre nós e os infelizes ruminantes, de resumir sua existência em exaurir diariamente suas forças à busca de não mais que garantir o próximo repasto.

Nada a comemorar no Primeiro de Maio, pois. Salvo, para os desditosos servos do trabalho, um episódico lazy day...




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2 comentários:

  1. Há de se considerar que é "inteligente", mas infelizmente não ama ao cristo que morreu na cruz pela sua vida, e então, vive em um mundo vazio repleto de fantasias e ilusões a qual apesar de tanto conhecimento, segue com um enorme vazio no coração a qual nem todo conhecimento, nem todo achego de seus próxímos podem suprir tal vazio, e lhe faz martilizar tanta culpa de seus pecados.

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  2. Heya this issue is very interesting. Keep it going man!

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