quinta-feira, 16 de maio de 2013

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Dolo, temeridade e inépcia incompatíveis com o Estado de Direito


O País acompanhou pela televisão no último domingo, entre surpreso e estarrecido, imagens de perseguição policial aérea a um grupo de suspeitos de tráfico de entorpecentes, ocorrida há cerca de um ano, em um subúrbio carente do Rio de Janeiro.

As imagens falam por si e deixam claro, estreme de quaisquer dúvidas, mesmo a um pouco atento observador, que o objetivo da ação policial passava inteiramente ao largo de monitorar, acompanhar e encalçar supostos criminosos, impedindo-lhes a fuga.

O uso de fogo cerrado, com armas de grosso calibre, a partir de um helicóptero contra um automóvel que circulava por vias públicas de um bairro periférico, desacompanhado de qualquer ação convencional por terra, denota a inequívoca intenção — vale dizer, em sentido jurídico, o específico dolo — de lograr a eliminação física dos ocupantes do veículo, ainda que a dano de terceiros que acaso se encontrassem nas imediações do tiroteio.

Como de sobejo se sabe, defendo tratamento duro e intransigente com a criminalidade, qualquer seja ela, dos traficantes de drogas homiziados em morros miseráveis aos corruptos instalados em suntuosos palácios de tribunais ou de governo.

As cenas a que assisti pela televisão, todavia, pareceram-me — peço vênia aos especialistas na matéria que, por al, possam divergir de minhas impressões — muito mais o enredo de uma execução sumária, praticada, ademais de forma arbitrária e antijurídica, com notáveis irresponsabilidade, amadorismo e temeridade.

Não se pode admitir, em uma sociedade civilizada, que a polícia se converta em orgão julgador de crimes e executor de sanções penais, nomeadamente a pena capital.

No Estado de Direito, policial investiga e prende, promotor fiscaliza e acusa, juiz conduz o devido processo legal e julga; e o sistema penitenciário, por sua vez, se encarrega de dar cumprimento à pena aplicada nos temos da lei.

Não pode ser diferente, mesmo diante da calamitosa crise de segurança pública que o País há muito experimenta. A imperiosa necessidade de combater o crime não pode dar azo a um Estado de exceção, ao arbítrio determinado pelo uso da força.

Mas, ainda que se pudesse reputar legítima aquela operação da polícia do Rio de Janeiro, em si considerada, não se pode igualmente admitir que uma ação policial ponha em grave e iminente risco a vida de inocentes transeuntes e moradores recolhidos às suas casas — todos, tanto quanto os suspeitos, em mesma medida sujeitos a ser atingidos mortalmente por algum projetil balístico das saraivadas de disparos desferidas, de forma açodada e inconseqüente, por agentes do Estado a bordo de uma aeronave.


Por isso é que, a meu modesto juízo, aquela operação policial — ainda que aparentemente exitosa, por ter logrado deter a fuga de supostos criminosos — não pode merecer o aplauso, senão, antes, o repúdio, de uma sociedade pautada tanto pelo Direito como pelas mais elementares regras da razão e do bom senso.




Reprodução de imagens exibidas pela Rede Globo