terça-feira, 18 de junho de 2013

O que vejo neste outono


Confiro pela televisão imagens registradas, ontem, Brasil afora.

Vejo milhares de cidadãos a manifestar, legitimamente, sua inconformidade com o status quo, tal como aconteceu nos movimentos 'Diretas Já' e 'Fora Collor', há, respectivamente, trinta e vinte anos passados.

Com eles comungo da indignação por muitas das mazelas que há tempos e continuamente desgraçam a sociedade brasileira, da falta de educação, saúde e transporte dignos à endêmica corrupção que assola o Estado em suas mais diversas órbitas e instâncias de governo, passando pelas relações historicamente promíscuas entre poder político e poder econômico.


Vejo também, todavia, uma horda de criminosos a tentar invadir palácios de governo e a vandalizar prédios públicos, muitos dos quais de notável valor histórico; a destruir lojas e agências bancárias, além de valiosas peças do mobiliário urbano; a pichar, danificar e incendiar ônibus, viaturas oficiais e veículos particulares.

A polícia, acuada e agredida, não pode reagir à altura, uma vez que impedida — graças a uma inusitada convenção, que se estabeleceu — de valer-se sequer das ditas 'armas não letais', apropriadas justamente para o fim de conter multidões fora de controle.

Nem se fale dos transtornos à vida dos habitantes das cidades, privados por horas a fio da liberdade de locomoção — seja para tornar ao recesso do lar e gozar do sagrado direito ao repouso noturno, seja para buscar um atendimento médico de emergência que se faça
 eventualmente necessário — e da paz urbana que se espera garantida pelo Estado.

Leio comentários de colegas, muitos dos quais respeitáveis intelectuais, e vejo que todos aplaudem em uníssono o movimento, fazendo tabula rasa da criminalidade que a ele se agrega. Sugerem que se cuida a prática de ilícitos em profusão de um efeito colateral inevitável e aceitável do exercício da democracia, o que está longe de representar a verdade, conforme impõe o Estado de Direito e mostra a própria experiência brasileira das décadas passadas.

Estarei eu a divisar espectros onde tantos à minha volta vêem apenas o movimento de mudança e aperfeiçoamento da democracia, em ambiente de plenitude das liberdades civis? Fica a dúvida, que talvez possa ser respondida quando, amanhã — passado o ímpeto da turba indômita, que sai às ruas por causas que intui mas sequer consegue propriamente enunciar —, restar apenas o saldo da incivilidade e da barbárie que nos vitima a todos.

Pode ser, por outro lado, que — como crêem muitos, entre os quais não me incluo — represente esse movimento o marco de uma nova era no País.

Seja como for, estamos a começar mal esses supostos ou pretensos, e incertos, novos tempos. 








2 comentários:

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