terça-feira, 15 de outubro de 2019

15 de Outubro: Mais um dia como outro qualquer


Quando, há décadas, tive despertado o interesse pela vida acadêmica, sob a inspiração de meu querido mestre João Baptista Villela, acreditava poder chegar a ver, no horizonte de tempo de minha vida profissional, uma substancial alteração do desolador estado de coisas que já então se configurava na universidade brasileira.

Desde então, entrementes — embora se deva reconhecer a existência de avanços pontuais, sobretudo ao longo da primeira década do séc. XXI —, pouca coisa mudou. A atenção à educação em geral, e à universidade em particular, continua viva na retórica, mas ausente das ações prioritárias de governo, seja qual for o governo, nas diferentes esferas da Federação, até porque jamais representou um efetivo reclamo da sociedade.

As condições de trabalho e a remuneração dos professores seguem precárias e mesmo vexatórias, sobretudo se comparadas às de inúmeras carreiras públicas que requerem, consideravelmente, menor qualificação e menos acentuada dedicação.

A posição e o papel institucional da universidade resultam cada vez mais aviltados, por todos os meios, nomeadamente os seguidos e fatais atentados cometidos contra a autonomia constitucionalmente prevista.

O País
leia-se: a sociedade brasileira parece, decididamente, não se importar com a educação, de modo geral, muito menos com uma educação superior de excelência, nem se dar conta dos inequívocos benefícios sociais dela decorrentes.

Depois de ter lecionado em algumas das mais prestigiadas universidades públicas brasileiras — e de ter também experimentado, pari passu, as agruras de funcionar como agente de produção no vergonhoso sistema privado de ensino superior que erigimos —, sem embargo de ter ainda atuado em instâncias superiores do Ministério da Educação, curvei-me à triste limitação de perspectivas profissionais do trabalho acadêmico e venho, a pouco e pouco, renunciando à atividade docente.

Em mais este Dia dos Professores, pois, ocorre-me nada a comemorar ou pôr em relevo, salvo, talvez, a singular conjugação de fé e realismo que se pode extrair de uma tão candente quanto contundente manifestação como a que transcrevo a seguir, feita há certo tempo por um dileto colega que acabara de assumir o cargo de professor na universidade pública:

 

"Ontem fui tomar posse como Professor Adjunto da UFMG. Após uma hora de espera em uma sala escaldante (a sensação térmica era certamente de 40 graus ou mais), assinei dois papeis e, assim, quase sem me dar conta (provavelmente por causa do calor), tinha sido investido em um dos cargos mais importantes da nação. Meus amigos juízes, promotores e procuradores teriam ficado decepcionadíssimos com a simplicidade do ato, com a ausência de discursos de exortação à carreira e congratulações pelo esforço memorável que os conduzira até ali. De minha parte, nenhum espanto. Esse é um país que menospreza os seus educadores e eu já o sabia. E não estou aqui a lamentar. O caminho que me trouxe até aqui é um caminho de reflexões e convicções muito bem sedimentadas, bem como de uma profunda consciência do meu papel e de toda a adversidade em que terei que desempenhá-lo. Desde ontem, eu sou servidor público e servirei minha nação com orgulho e empenho, mesmo que ela não se orgulhe e não se empenhe por mim." 
[o autor da manifestação é doutor em Direito, com larga produção acadêmica e experiência internacional; aqui omito sua identificação apenas por não lhe ter solicitado expressa permissão para transcrição do texto, divulgado que foi em limitado círculo de rede social]

[publicado originalmente aos 15 de outubro de 2013]