Gustavo Ioschpe escreve esta semana na revista Veja artigo intitulado Por que cortar vagas em instituições de ensino é crime de lesa-pátria, cujo atalho se encontra infra, por meio do qual condena a supressão de vagas em cursos avaliados pelo Ministério da Educação como de baixa qualidade — a quase totalidade deles, registre-se, oferecidos por instituições privadas de duvidosa idoneidade.
A propósito dessa extravagante tese, digna de causar espécie — embora repetida como cantilena, há tempos, pelos segmentos interessados na artificial e incontida hipertrofia do sistema de educação superior no Brasil —, reproduzo aqui, em linhas gerais e sumárias, o que venho há tempos a sustentar em debates travados no ambiente acadêmico e no âmbito do próprio Ministério da Educação, onde, em momentos distintos, ocupei o cargo de coordenador-geral de assuntos jurídicos da Secretaria de Educação Superior e tive assento na comissão de especialistas em ensino jurídico encarregada de estabelecer as bases do processo de supervisão dos cursos de Direito.
Se é indiscutível que o Brasil necessita, com extraordinária urgência, de um número continuamente crescente de profissionais de qualidade para atender às ingentes demandas do desenvolvimento econômico e do incremento demográfico, é igualmente certo que a exponencial expansão de vagas havida no ensino superior desde meados da década de 1990 — instaurada e patrocinada de forma despropositada e irresponsável, senão descontrolada e corrupta, pelas autoridades governamentais então no comando da área da educação — não atende a esse imperativo, nem de longe, em sua dimensão qualitativa.
O que hoje se produz na educação superior brasileira é, ano a ano, uma miríade de graduados malformados e ineptos — despreparados que são, sistematicamente, por todo um quadriênio ou um lustro inteiro nas espeluncas que pululam em cada esquina deste País —, quando o de que se carece, fundamentalmente, é de uma profusão de médicos, advogados, engenheiros, professores, jornalistas, publicitários, informatas e outros profissionais das mais diversas áreas que, dotados de sólida formação geral, técnica e humanística, se revelem capazes de corresponder à altura aos desafiantes reclamos de uma sociedade que ainda está por se inscrever, em plenitude, entre as nações em estado de desenvolvimento e civilização compatíveis com a quadra histórica do século XXI.
A irresignação de Ioschpe contra a política governamental de regulação e controle da atividade de exploração econômica do setor do ensino superior, sobre a qual incide acentuado interesse público, só o confirma como insígne arauto de um sem-número de espúrios interesses empresariais que concorrem na área da educação, ensejando a impressão, portanto, de que o articulista move sua pena antes como esperto, ou espertalhão, que na pretendida condição de experto.
Afinal, insista-se, o libelo de Ioschpe só faz veicular e repercutir a voz dos segmentos políticos e econômicos que há quase duas décadas forram as urnas e as burras — e assim pretendem seguir a se locupletar, desmesurada e infinitamente, a dano dos superiores interesses da sociedade — com o engodo consistente em oferecer grau superior meramente pro forma a milhões de brasileiros indolentes ou incautos.
De que lesa-pátria o jovem e bem-nascido Gustavo Ioschpe estaria mesmo a dizer?
Adorei o texto, Braga da Rocha!!! É o momento de as pessoas perceberem que o ensino superior de qualidade é EXCLUSIVO, e, não, inclusivo - tem como critério último a excelência, a erudição e a imaginação - e não a função social e o mercado. A Academia deve ser um ambiente seletivo e competitivo - não uma estação de esqui para alpinistas sociais e, muito menos, uma colônia de férias. A universidade deveria formar clercs, e se libertar das idéias "pragmáticas" das classes médias.
ResponderExcluirPosso dizer, Philippe, no que concerne ao real sentido da formação superior e ao devido papel da universidade, que raras vezes li manifestação tão concisa e percuciente quanto a que se encontra 'supra'. Agradeço-lhe muitíssimo a contribuição.
ExcluirParabéns, Braga!
ResponderExcluirLesa-pátria é formar analfabetos funcionais, o tipo mais arrogante e deletério que um sistema de ensino pode fabricar. E o Brasil já tem uma geração inteira de PROFESSORES formado sob esse sistema.
Oportuno, veraz e bem posto.
Abraços,
Mozart Lisboa
Esse tem sido, para mim, o aspecto mais estarrecedor do problema, Mozart. Não apenas levas e levas de semi-analfabetos são apresentados ano a ano à sociedade como portadores de diploma universitário, mas também um sem-número de 'produtos' desse degradado sistema de educação superior já se tornam professores, comprometendo irremediavelmente a formação das gerações vindouras.
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