terça-feira, 12 de maio de 2020

Interlagos, 80 anos


Celebra-se nesta terça-feira, 12 de maio, 80 anos da inauguração do Autódromo Internacional José Carlos Pace, em São Paulo — a.k.a. 'Autódromo de Interlagos' —, com painel elaborado pelo artista plástico Kobra, em homenagem a Ayrton Senna e sua memorável vitória, em 1991, no Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1.


https://globoesporte.globo.com/motor/formula-1/noticia/interlagos-recebe-mural-que-imortaliza-vitoria-de-ayrton-senna-em-1991.ghtml


https://exame.abril.com.br/estilo-de-vida/no-aniversario-de-interlagos-um-mural-em-homenagem-a-ayrton-senna/




domingo, 10 de maio de 2020

Reminiscências da pescaria na fazenda — excerto da obra autobiográfica 'Memórias & Reflexões', por J. Geraldo


Passo a publicar, a partir de hoje, excertos por mim cuidadosamente selecionados do livro Memórias & Reflexões, de José Geraldo Braga da Rocha. Que sirvam os recortes, aos seguidores deste blog, de aperitivo para a leitura da obra. 




Capítulo IX: Novamente, a Fazenda e coisas mais

Meu irmão mais moço, Antônio, e eu costumávamos passar as férias na Fazenda Cachoeira, depois que a mamãe se mudou com a filhada para a cidade, para estudarmos. Entre as muitas lembranças de então a da pesca de lambaris nos remansos espumosos do ribeirão, coalhados de folhas, gravetos, garranchos e o que mais a correnteza carrega, que costumavam enroscar o nosso anzol de pescador. Senão, usávamos o tanque da chácara, também piscoso, que papai construíra num plano do sopé da encosta, alimentado pela sua pequena nascente, propícia a tal a vegetação do lugar, além das águas vertentes, que desciam da serra na estação chuvosa, e que ele peixara com espécies do ribeirão. As suas águas serviam de bebedouro para o gado em pastoreio na manga, que tinha nome de pasto do Tanque ou da Chácara. No inverno e nas águas, era comum a névoa encobrir toda a encosta, cujo cafezal, da parceria com o seu Efigênio Andrade, dava-lhe um verde intenso, emoldurado pelas muitas árvores e vegetação nativas. (Então, eu ouvia o papai falar na variedade
burbom, que acho seria o plantado na chácara e nos quintais.) Aos poucos, a bruma, algo corrubiana como acontece aqui, era afugentada pelo sol. Eu gostava de ver aquilo pela manhã, da varanda da casa sede, de onde também, em época de capina e de apanha do café, acompanhava a movimentação dos trabalhadores e dos cargueiros, transportando o café para o terreiro ladrilhado da casa sede. Um pouco pra baixo do tanque f cava outra mina ou olho d'água, que nascia num lacrimal coberto de taboas, chapéu de couro, juncos e outras espécies aquáteis, que, após represada e servir de bebedouro ao gado que lá pastorava, escorria pelo valado adrede aberto.

Atravessando o quintal de canas, do lado direito da casa sede, ia o regato servir a porta da cozinha. Outro braço desaguadouro, à esquerda, ia abastecer de água a casinha de ordenha, onde ficava a queijaria e a moradia de vaqueiro casado. O estreito canal ou rego era freqüentemente limpado de folhas e entulhos mais, que teimavam obstruí-lo. Até hoje surde ali a preciosa água, embora com menor vazão. No quintal da casa sede, próximo de onde ficava a antiga bica d'água de madeira, que despejava mais de telha do precioso líquido, o Arnaldo represou-a em comportas de alvenaria, onde cria e recria tilápias. Encanada a partir dali, vai servir a casa sede. Já não há o bicame; não há água suficiente para isto. (O que será desse povaréu, com o minguamento das águas, senão, em muitos casos, sumiço das nascentes, descuidadas pelo Governo, pelos proprietários dos terrenos e diminuição das chuvas? E o calor escaldante, conseqüente ao aumento da temperatura do planeta, reconhecida pela própria ONU, faz presença inclemente, preocupante. Aliás, alguém do povo me disse, com seu jeito de entender os mistérios do tempo: Estão falando que o Sol desceu ou a Terra subiu! Se não fora estapafúrdia a idéia, seria boa versão para o grave momento, sob comando de El Niño, o tendeiro da vez! Os tempos hodiernos estão diferentes dos de meio século atrás! Eu teria uns 15 anos de idade quando li nalguma publicação do papai, lá mesmo na fazenda, da eventualidade do aquecimento do planeta. Embora as modificações climáticas ocorram muito lentamente, imperceptíveis quase, estão aí, cerca de 50 anos depois da notícia, o que nos faz conjeturar o que virá proximamente! [...]).

Voltando à pescaria de antanho, depois de horas à beira do córrego a gente levava pra casa, numa fieira, em formato de forquilha ou num encambado de embira de malvarisco, fazendo as vezes de samburá, pencas de piaus de nadadeiras raiadas de vermelho, piabinhas ou lambaris, apanhados na féria do dia – de que logo depois a boníssima Maria Domingas preparava para nós saborosas fritadas, empanadas em fubá. A gente não se contentava de comer um, dois ou três peixinhos, mas sim quantos perdurassem na travessa. A gula pedia mais e mais crocantes petiscos, tão bem passados pela boa cozinheira.

Até o papai e os vaqueiros iam pescar mandis e traíras, à noite, quando as chuvas de final de primavera ou já em curso o verão faziam o ribeirão subir vezes sem conta e derramar-se sobre as margens, inundando as largas e extensas vazantes de arroz, que fecundava, cultivadas pelo seu Efigênio Andrade, em parceria com o papai. (Só depois eu tomaria conhecimento dos campos de arroz de sequeiro, que fazem a riqueza do pampa gaúcho, que a gente nem imaginava existir, conhecedor que era apenas do de alagados. Quando vejo rizicultores trabalhando em vazantes, com água até os joelhos, lembro-me do seu Efigênio Andrade, as calças dobradas, plantando ou ceifando o cereal nas vazantes da fazenda, à semelhança china.) Então, ao amanhecer depois de noites de muita chuva de verão, o que era freqüente, eu corria à borda do terreiro da cozinha, para ver o ribeirão cheiíssimo, transbordante. De lá gostava de ver a vazante inundada de água turva, encobrindo a vegetação – que, depois, ao baixar, deixava sedimentos que a fertilizavam e propiciavam ubérrima produção do cereal. (Mais tarde, compreenderia a observação do historiador grego Heródoto, de que O Egito é uma dádiva do Nilo.) Dizia-se que esses peixes maiores, a cuja pesca íamos nessas ocasiões, só se aproximavam do anzol com a água avolumada e suja da terra levada pela torrente à calha do ribeirão. Então, à noite, a gente ia com os adultos à pescaria, sentindo-nos os tais à beira do ribeirão, fora de horas (que porém nem tão tarde era, senão para nós criançolas!). Às vezes, a aventura nos levava, com papai e serviçais, até a represa da usina, aquele mundão d'água piscosa, como nos parecia, que também atraía pescadores de derredor e até da cidade, munidos de caniços longos, que, mais do que os nossos, alcançavam longa distância da margem. Porém, ainda não havia molinetes nesse mundinho tacanho. Antecedia a pescaria a azáfama do preparo de varas de anzóis encastoados em trançados de arame, para proteger a linha da serrilha dos peixes, os lastros de chumbo para fazê-los afundar n'água, e as minhocas, que, apanhadas em locais úmidos, eram aquarteladas em samburás forrados com o húmus em que recolhidas e levadas hidratadas à beira d'água, para servir de isca. Às vezes, levávamos também a nossa matalotagem, para comermos à beira d'água, algo como piquenique que era aquilo, e aprestos para enfrentar mosquitinhos-pólvora, que vinham zunir e picar as orelhas do pescador, que, na tentativa de afugentá-los, se viam obrigados a se estapear, a praguejar e a se irritar. (Pois, não há mesmo prazer que não tenha o seu desgosto, o seu contrário, como diz a sabedoria popular!) Aí, os que eram fumantes baforavam de cigarros de fumo de rolo, como os serviçais, ou de indústria, como o papai, na tentativa de afugentar os incômodos e persistentes maruins. Senão, era fazer uma fumaceira perto, com trapos de pano, folhas secas ou úmidas, sabugo de milho e não sei o que mais, de combustão lenta, à falta dos modernos repelentes. Cada pescador adulto quase sempre pescava pelos menos uns dois ou mais peixes graúdos, o que já era motivo de festa. Porém, qualquer de nós que apanhássemos mais peixes do que os outros, pequenos ou grandes, ouvia logo a irônica pecha quanto mais bobo, mais peixe! Antônio tinha um medo dos diabos da ferroada de traíra e mandi, donde, das raras vezes em que os fisgava, era algum adulto que os retirava do anzol. Se a pescaria não rendia logo, o papai não demorava a perder a paciência, sôfrego que sempre foi. Então, era voltarmos a casa, samburá vazio ou pouco fornido, e aguardar outra oportunidade para repetir o divertimento.

No ribeirão de casa, a gente costumava deixar o anzol ferrado n'água, na esperança de fsgar peixe taludo, como piau, traíra ou mandi, que, para nós, pescadores de lambari, era façanha e tanto. Na manhã seguinte, ansiosos para ver o resultado da empresa, corríamos ao local. Se constatávamos que a vara, ao ser movimentada para trás, se curvava em arco com o peso da presa fisgada, era rir de orelha a orelha e coletá-la, com cuidado, senão levar o pescado suspenso no anzol, exibindo-o, para logo ser consumido no almoço. A mamãe tinha um medo sem igual das espinhas desses peixes maiores, como a traíra, além do piau, que tem a espinha em forma de ípsilons (yy) entranhada na carne, o que não deixava de nos contagiar. Certa vez, a vara arqueada trouxe baita surpresa: o apresado era um pequeno cágado, que o povo chama de sapo-concho! Deu um trabalhão danado livrá-lo do anzol e devolvê-lo à corrente d'água, ante a sua insistência de recolher o longo pescoço, com anzol e tudo, às entranhas sob a carapaça. Vai, quelônio, vai!, foi afinal a nossa palavra de ordem ao vagaroso réptil, que então se meteu n'água de novo, naquele nado cachorrinho. Melhor tivesse o anzol se enroscado nos juncos que margeiam o corgo, do que aquilo. Mas valeu a curiosidade de fisgar bicho tão diferente, parente, parece, do jabuti e da própria tartaruga, de maior porte, que, claro, inexiste por aqui.

Os rebojos piscosos do ribeirão Jambeiro – formado pelo vertedouro da represa da usina –, que passa pela fazenda, eram também propícios à nossa natação incipiente. A gente pulava da ponte num desses redemoinhos d'água, onde a água quase não dava pé. Dávamos as nossas braçadas e pernadas, com o que logo alcançávamos vau, pouco extenso que era o fojo do pequeno curso. Engraçado: há pouco tempo estive no local com o irmão desses folguedos. O local, diferente, o ribeirão, acanhado, quase rasoura ou varador só, a ponte não está no mesmo lugar, foi arredada um tantinho pra baixo donde ficava, nem tem a altura de antes, quando a água das cheias chegava quase a cobri-la e torná-la ponte afogada; agora, parece de menor caudal. Ou seria porque, como ressabido, demuda a dimensão do mundo entre a visão da criança e a do adulto? Porém, perto dali, no início da cerca de arame farpado, varando espigão, na confrontação do pasto do Borges com o da cozinha, como cógnitos esses pastios, continua de pé o mourão de braúna, de ponta chanfrada, pra não juntar água de chuva. Braças de rodo o cujo, já desbotado o negro da madeira, dando mostra das mazelas do tempo. Fora fincado como mourão da então recém-confeccionada cerca de arame farpado, de quatro fios, tesos que nem corda de violão – por certo, arte do seu Luis Pires. Tão parrudo o madeiro, que nem careceu de estronca para firmá-lo chão adentro, para não se mover com a torção do aramado. Serviria ainda, a partir daí, para demarcar o tempo vindouro! A mando do papai, cravei-lhe a formão a data, já bosqueja, de 19 de julho de 1963. O então quase-cunhado Otacílio Marilac, vindo da Fazenda Marinheiro, onde tinha naco de terras, com destino à cidade para noivar minha irmã (com quem se casaria em 21 de dezembro seguinte), ficou escarranchado e fumando por meia hora ou mais à sela do cavalo ajaezado, sobre a ponte, olhando ali perto o meu labor de entalhador das dúzias (expressão da mamãe, para designar algo pouco valioso), para depois, concluída a datação do grosso tronco, seguirmos em conversê a penates. Faz pois meio século – e lá vai pedra! – o episódio.
[...]

sábado, 2 de maio de 2020

Vai-se Nirlando Beirão, um expoente do jornalismo e da 'intelligentsia' brasileira


Diz Sergio Lino, redator-chefe da revista CartaCapital — secundando, salvo engano, o próprio Mino Carta —, que ler os textos do jornalista e escritor mineiro Nirlando Beirão é "como ouvir uma sinfonia".

Cessaram anteontem, num melancólico fim de abril de 2020, suas magistrais composições. O jornalismo e a intelligentsia brasileira perdem um de seus grandes expoentes, aos 71 anos de idade, vítima de doença degenerativa de que padecia já há algum tempo.

Ao elegantíssimo maestro, minhas homenagens.



Nirlando Beirão, 1948-2020



Em tempo:
Leia-se aqui no Blog do Braga da Rocha memorável artigo de Nirlando Beirão, originalmente publicado em 2013 no Portal R7 e depois dali suprimido, sobre tema de significativa expressão na atualidade, à vista dos sestros comuns ao tragicômico trio Jânio Quadros, Joaquim Barbosa e Jair Bolosonaro.