sábado, 12 de fevereiro de 2011

Impressões sobre 'A Constituição como Simulacro', de Luiz Moreira


Recorri dia desses, a propósito de algumas reflexões que construía sobre o problema do sujeito de direito, à obra do caro colega Luiz Moreira, que comentei há tempos no velho
Blog do Braga da Rocha.

Decidi, por oportuno, reproduzir adiante, neste espaço, o comentário na ocasião publicado:



Recebi há dias, por especialíssima gentileza do Prof. Dr. Luiz Moreira, exemplar do livro A Constituição como Simulacro, de sua autoria, publicado pela Lumen Juris Editora (MOREIRA, Luiz. A Constituição como Simulacro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007).

Trata-se da publicação editorial de tese de doutoramento produzida sob a orientação do Prof. Dr. Joaquim Carlos Salgado, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, que como tal se apresenta, formal e materialmente: uma autêntica tese.

Desde logo, ao primeiro contacto com a obra, chamam-me a atenção as dimensões do respectivo volume, que não exorbita a 112 páginas, seguindo claramente uma política de produção literária da qual compartilho e que parte de uma convicção que, de resto, procuro cultivar no espírito daqueles que comigo laboram no ambiente acadêmico e no universo profissional extra-universitário: a de que o escrito de natureza científica ou técnica deve primar pela concisão e pela densidade das idéias nele contidas, e não, contrariamente, ter como notas características o infinito alogamento do texto por via da exaustiva repetição do óbvio, como soem fazer muitos de nossos colegas de literatura jurídica. Em outras palavras, a convicção de que quantidade não representa indicativo de qualidade ou mesmo de produtividade; antes, no mais das vezes, o contrário...

Ao penetrar o texto de Luiz Moreira, percebe-se de plano que a linguagem utilizada pelo autor evidencia grande precisão e rigor científicos, além de estilo sóbrio e elegante, com traços de erudição, sem prejuízo da clareza e sem sacrifício algum do prazer de ler que todo escritor deve procurar proporcionar a seu leitor.

No curso do trabalho, Luiz Moreira trata, entre outros temas, da gênese e formação política do Estado nacional, emprestando especial relevo à figura do sujeito de direito, objeto de investigações que desenvolvo, desde há muito, em Direito Romano e direito contemporâneo.

Nesse passo, observa o autor, com notável argúcia, que "ao vínculo comunitário feudal sucede o político-jurídico; à relação de subordinação entre vassalos e senhor, uma estrutura marcada pela 'titularidade de direitos' inerente a cada sujeito qué é membro associado de uma sociedade civil; por sua vez, o direito consuetudinário, com jurisdição fragmentada em feudos regidos pelos suseranos, transforma-se em uma unidade jurídico-estatal elaborada, em co-autoria, pelos 'sujeitos de direito', para apresentar, assim, a concepção do sujeito de direito como fundador e co-autor da ordem jurídica estatal.

Ao fim, a tese central se enuncia em formulações tais como as que a seguir permito-me destacar:

"As constituições modernas repousam sua pretensão à legitimidade em um ato fundados denominado 'poder constituinte'. Parte-se da idéia de que o poder constituinte [...] conduziria a sociedade ao apogeu civilizatório, cultural e organizativo e que ele seria o último recurso a ser seguido por uma comunidade política que cheguo ao esgotamento associativo. Desse modo, seria o poder constituinte o ato decisivo que transformaria a sociedade e lhe daria uma nova estrutura. Por seu intermédio, seria reedificado o Estado e reconfigurados os propósitos da sociedade, sendo 'constituídas' e 'fundamentadas' todas as relações a ela subjacentes.

Comumente o poder constituinte é exercido por uma assembléia que realiza o desígnio de formular e promulgar os princípios que passarão a estruturar o sistema constitucional que terá preponderância sobre todo o sistema jurídico. Logo, sab a assembléia constituinte repousa o 'poder' de prescrever as normas e ordenar as condutas.

Exatamente neste momento a Constituição é posta como simulacro. A simulação consiste na tentativa de transformar um consenso sobre uma forma de constituir e ordenar o sistema jurídico, obtido num dado momento histórico, em algo atemporal, configurando um processo comum de formulação de normas jurídicas em ato fundador, a partir do qual os questionamentos e os problemas posteriores são solucionados pela remissão inconteste e necessária a tal estrutura.

O simulacro consiste na justificação de um ato fundante que põe a Constituição como ato extraordinário da soberania popular, quando o poder constituinte e a assembléia por ele instalada se revestem de caráter ordinário. Portanto, o simulacro é o ato de outorga que uma assembléia se dá a si mesma com o propósito de restringir, regular e prescrever os direitos atinentes à soberana manifestação dos sujeitos de direito.

[...]

Cabe à Filosofia do Direito alertar os sujeitos de direito de que, a pretexto de preservar o poder decorrente de sua associação e de fundar um Estado laico plural, o constitucionalismo hodierno eliminou as múltiplas formas de entendimento das categorias do real e reduziu drasticamente a liberdade da livre disposição desses mesmos sujeitos ao constituir uma esfera indisponível à sua faculdade plenipotenciária.

À Filosofia do Direito cabe mais uma vez demonstrar que, como em tantas outras vezes, a Constituição é uma grande conquista, mas não a última."

Gratificado pela leitura e absorto em minhas reflexões a partir da instigante tese, registro aqui meus cumprimentos ao autor e minha recomendação de leitura da obra.



Passados cerca de dois anos, minhas impressões seguem inalteradas.













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