sexta-feira, 17 de abril de 2020

Prefácio à recém-publicada obra 'Memórias & Reflexões', de J. Geraldo



https://bragadarocha.blogspot.com/2020/04/memorias-e-reflexoes.html


Recebi de meu caríssimo tio J. Geraldo — a quem, conforme cediço, sempre prestei a devoção que se rende a um pai — a incumbência, tão honrosa quanto árdua e desafiadora, de compor o prefácio desta substanciosa obra, com que traz ele a lume suas Memórias & Reflexões, produzidas e recolhidas ao longo dos mais de 70 anos de vida. 

Não poderia cultivar a pretensão de entabular, em breve e modesto escrito como este, um autêntico diálogo com a vasta extensão e pluralidade de lembranças e idéias contidas no livro, assentadas sobre um amplo, rico e não raro erudito universo de interesses, que vão da experiência da vida interiorana e rústica à ciência e à cosmologia, das tradições culinárias à filosofia, das manifestações da linguagem à política, da sétima arte à poesia, do folclore regional à onomástica e à toponímica, do conhecimento jurídico à teologia, da literatura universal à história. 

De muitos desses interesses, aliás, ensinou-me o autor a compartilhar, em meio a divagantes prosas e deleitáveis tertúlias que, desde ao menos minha adolescência, de tempos em tempos costumamos ter, a varar a madrugada — no intimista e acolhedor espaço da cozinha de sua casa ou no instigante ambiente de sua valiosa biblioteca, que sempre freqüentei —, quase invariavelmente regadas a um saboroso café ou a inspiradores beberes outros. 

Vejo consignar-se, dessarte, no longo e denso texto ora publicado — ad perpetuam memoriam, pois conforme preceitua o velho adágio: scripta manent! —, muito do fértil e imensurável saber do autor, de que um naco pude haurir em longo aprendizado, assim como profusas notas, referências e libações à gloriosa, conquanto por vezes dura e penosa, trajetória pessoal, familiar e social de muitos coetâneos seus e de tantos antepassados nossos em comum, cingidos todos pelas relações de amizade ou por linhagem de estirpe. 

A mim, porém, cumpre e importa salientar, sobretudo e com preeminência, para tento do leitor que por estas páginas decida se aventurar, o belo, precioso e fecundo registro, que a obra congrega e nos convida a degustar, da magnífica realidade da vida quotidiana em um peculiar rincão das Minas Gerais, nomeadamente ao longo de meados do século XX, com seus personagens, seus modos, seus códigos, seu linguajar, seus usos e costumes, suas tradições — uma realidade escassamente ou nada conhecida pelas subseqüentes gerações, até porque a pouco e pouco dissipada ou mesmo já extinta com o advento do complexo e multifário modus vivendi contemporâneo. 

Eis, pois, o tipo de obra que, embora perpasse com nitidez o gênero autobiográfico, a ele não se confina — antes, está a representar, estreme de qualquer dúvida, valioso acervo de elaborados registros, via recordações e reminiscências várias, concernentes a um tempo e a um lugar da non perdersi na memória coletiva do porvir —, e que se destina a ocupar, em nossa biblioteca, aquele singular e nobre espaço no qual se situam livros que não apenas desejaríamos ter escrito, em possuindo talento e determinação bastantes para tanto, mas, sobretudo, cujas passagens e histórias gostaríamos de ter o privilégio de haver testemunhado e vivido.

Belo Horizonte, janeiro de 2020
Renato Amaral Braga da Rocha



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